O trabalho análogo ao escravo é realidade na Bahia. Principalmente quando se fala em mão de obra agrária. A invisibilidade dessa conduta, para as comunidades de trabalhadores, tem sido observada nas entrevistas feitas para os diagnósticos situacionais em quatro municípios do Estado: Tanhaçu e Itambé (2017) e Aracatu e Teolândia (2019), realizados pela Avante – Educação e Mobilização Social. Os dados levantados trouxeram maior clareza sobre a existência de trabalho análogo ao escravo conforme caracterizado no artigo 149, do Código Penal Brasileiro, colaborando para o trabalho que já vem sendo desenvolvido pela força tarefa do Estado criada para combate ao problema.
“Os diagnósticos realizados pela Avante em 2017, e agora novamente em 2019, têm sido de grande importância pela escuta dos trabalhadores, entre eles os resgatados, revelando a realidade de forma sistematizada para toda rede de combate ao problema”, afirmou Admar Fontes, coordenador da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo na Bahia (COETRAE-BA). Entre outras coisas, os documentos elaborados pela Avante revelam uma estranheza de grande parte dos entrevistados em relação à existência desse tipo de exploração, e depois uma concordância ao reconhecerem a exposição a condições precárias no trabalho no campo. Trazem à tona, também, que a cultura que invisibiliza o problema, aliada à situação socioeconômica: falta de oportunidade de emprego e renda, baixa escolaridade e a carência de qualificação do trabalhador, torna a mão de obra facilmente aliciável. “Um dos maiores problemas enfrentados para a execução das ações integradas realizadas pelas instituições que compõe a COETRAE é essa invisibilidade por parte dos trabalhadores que, muitas vezes, enxergam aí sua única chance de renda devido à falta de estudo e o estado de vulnerabilidade social em que se encontram”, disse Edmar Fontes.
Todos Juntos
Em 2017, desenvolvendo o projeto Apoio e atenção às vítimas e vulneráveis ao trabalho escravo no estado da Bahia, uma parceria firmada com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Avante produziu diagnóstico local nos municípios de Tanhaçu e Itambé, e realizou diversas reuniões para apresentação dos resultados, primeiramente com a Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Governo da Bahia (SETRE), seguida de outra com a equipe da Agenda Bahia do Trabalho Descente e, finalmente, com a COETRAE. Esta última integrada por diversas instituições como Ministério Público do Trabalho (MPT), Polícia Rodoviária Federal (PRF), SETRE e Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) e pela própria Avante. “Nós promovemos, com o Diagnóstico, uma grande divulgação no Estado da questão do trabalho análogo ao escravo. Nós fomos uma das entidades pioneiras na escuta sistematizada desses trabalhadores resgatados e percebemos que todos ficaram muito mobilizados”, disse Ana Luiza Oliva Buratto, vice-presidente da Avante.
Um dos reflexos dos diagnósticos nesses municípios, ao trazer maior clareza sobre a situação, foi a abertura dos caminhos para o lançamento do projeto Produzir para inserir, em Itambé, esse ano (2019), por parte do Governo da Bahia. A ação visa a inclusão, no mundo do trabalho, daqueles que estão desempregados, ou são egressos do trabalho degradante. A iniciativa conta com um investimento de, aproximadamente, R$ 556 mil do FUNTRAD, levando benefício a 144 trabalhadores, por meio de ações integradas (qualificação, assistência técnica e distribuição de insumos), para a produção de hortaliças, mudas e criação de pescado – tilápia.
Entre os trabalhadores contemplados pelo Projeto, 15 foram resgatados em situações degradantes no ano de 2018, quando foram qualificados no curso de produtor agrícola polivalente, oferecido pelo Programa Qualifica Bahia, em 2018. Agora em 2019 terão a oportunidade de aperfeiçoamento por meio do Produzir para inserir. Os demais beneficiados foram selecionados por meio de busca no banco de dados de instituições que compõem a rede de assistência social e de inserção ao mercado de trabalho.
Como afirma Ilan Fonseca, procurador do Ministério do Trabalho, na 5ª Região (Bahia), o fortalecimento das ações de resgate e reintegração dos trabalhadores é o ponto mais positivo da experiência que tem sido a força-tarefa de combate ao trabalho análogo ao escravo na Bahia. “Esse tema ainda é objeto de muito desconhecimento, sendo que as operações permitiram que os representantes institucionais pudessem conhecer melhor o problema. Buscou-se identificar os trabalhadores resgatados, encaminhando relatórios de diagnóstico e mapeamento, e conhecendo a realidade pós-resgate in loco, tal como foi feito de forma minuciosa pela Avante – Educação e Mobilização Social, para que os trabalhadores fossem encaminhados para uma formação cidadã e reinseridos. No entanto, ainda são muitos os desafios para levar dignidade a muitos trabalhadores baianos”, disse o procurador
Vozes da Comunidade
Agora, em 2019, foram produzidos outros dois diagnósticos por meio do projeto Vozes da Comunidade no combate ao trabalho análogo ao escravo, executado pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com a SETRE/Agenda Bahia do Trabalho Decente, com financiamento do Fundo de Promoção do Trabalho Decente (FUNTRAD), nas cidades de Aracatu e Teolândia.