Uma comunidade que nasce da luta e vive na resistência. A história do Quilombo do Paraíso, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, segue o mesmo rumo de tantas outras que têm se empenhado na defesa do direito à moradia, com alguns fatores tornado-a um “causo” a mais, para entrar na oralidade desse povo e nos escritos sobre a comunidade: o brincar como ferramenta estruturante do combate à violência comunitária, em especial em relação à criança e ao adolescente. O local, envolto pela exuberância da natureza, favorece os “ares da infância”. Com o empurrãozinho do brincar ao ar livre, o trabalho tem sido bonito por lá.
Meio a resquícios de Mata Atlântica, que oferece à dureza da realidade um ambiente mais ameno e com gostinho de infância e adolescência vividas em segurança, veio chegando a necessidade de redução da violência, sobretudo em relação a esse público. Então, na conjunção dos olhares, chegou o projeto Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos, realizado pela Avante – Educação e Mobilização Social, com o apoio da Kindernothilfe E.V. (KNH), desenvolvendo ações que estimulam o envolvimento de atores da comunidade na defesa dos direitos da criança e do adolescente, na colaboração para o desenvolvimento infantil e para o cuidado com o ambiente comunitário e, assim, promovendo o sentimento de pertença e a melhora nas relações interpessoais.
Mais sobre o Paraíso
A comunidade Quilombo do Paraíso está localizada no Subúrbio Ferroviário, em Colinas de Periperi, num ponto alto, com visão para o mar e fundo para a Mata Atlântica. Vista esta que levou às famílias, que lá chegaram, a dar o nome de “Paraíso” à comunidade.
O processo da ocupação de um território funciona assim: quando surge um assentamento é feita uma assembleia. Nesse momento, os integrantes definem o nome que será dado à comunidade que ali surge. Para que as crianças conheçam a rica história do povo negro, as ocupações do Movimento dos Sem Teto da Bahia recebem o nome de “quilombo”, associado ao nome de guerreiras e guerreiros negros, como: Quilombo Zeferina, Quilombo Manoel Faustino, Quilombo Maria Felipa. “Nós precisamos contar a essas crianças a história do nosso povo negro, que nos é negada, que não está nos livros de história. Nos livros só tem a versão das elites e as crianças precisam aprender essa história”, disse Rita Ferreira dos Santos, uma das lideranças do Movimento dos Sem Teto e moradora da comunidade. O Quilombo do Paraíso, então, foi uma exceção.
No dia 20 de julho, de 2009, às sete horas da manhã, 10 famílias ocuparam esse espaço. No final da tarde já haviam 80 famílias no local, e no dia seguinte 450. De acordo com Rita Santos o Movimento resolveu ocupar o lugar por estar prevista a construção de um hospital de grande porte no local, em cima de uma Área de Preservação Ambiental (APA). “Já que iam construir um hospital numa APA, então as famílias também poderiam morar aqui. E foi aí que o Movimento dos Sem Teto ocupou o terreno, que pertence à Bacia do Cobre”, conta a liderança.
Um mês depois da ocupação da área acontece a primeira entrada da CONDER (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia) que, sem mandato judicial, derruba e toca fogo nos 450 barracos levantados no local. A coordenação do Movimento vai para a ocupação e começam os confrontos. Com auxílio de advogados conseguem interromper a ação da CONDER e, ao longo do dia, reconstroem 80 barracos para acomodar idosos e mulheres que possuíam filhos com deficiência.
A reconstrução dos barracos continuou, mesmo com a evasão de algumas famílias. “Nesse momento de confronto muitas não ficam, elas têm medo. A luta pela moradia é importante, mas quem não tem o costume de vivenciar o confronto, teme pela própria vida. E o Estado é cruel, principalmente quando está de olho em um território e se sente ameaçado”, disse Rita.
O Movimento foi para a mesa de negociação com o Estado, juntamente com o presidente da APA, fazer um estudo da terra. O resultado foi a permanência de 120 famílias no terreno, na Bacia do Cobre, enquanto outras 330 famílias foram remanejadas para outras ocupações. Essas 120 permanecem no local até os dias de hoje.
Resistência
A resistência da comunidade é continua. Em 2017 a CONDER surgiu com um novo projeto: a construção de 720 unidades de um conjunto habitacional, chamado Torre, no terreno onde estão morando as famílias, há oito anos. A CONDER, então, propõe remanejamento para algumas unidades em um conjunto habitacional na Lagoa da Paixão, em Valéria, um bairro marcado pela extrema violência. ”Quando você vive num local, você cria vínculo ali. Aí o Estado vem de forma perversa e quer te jogar em outro território que não é seu, onde você não tem uma creche, não tem uma escola, não tem nada. Não tem nem transporte. Como é que você vai trabalhar e deixar seus filhos? Vai deixar com pessoas que você não conhece? Antes, morava-se num local onde seus filhos nasceram”, pondera Rita Santos.
Após muitas negociações, o Estado oferece 120 unidades no conjunto habitacional Torre. A proposta foi feita em abril. Até dezembro nada foi encaminhado. A vida da comunidade fica em suspenso. Rita conta que a horta comunitária que o Quilombo do Paraíso mantém, e onde já fizeram colheita de milho, está parada, pois há sempre a expectativa de que serão passadas máquinas no local. As negociações continuam e o último acordo feito foi a permanência das famílias em um terreno que fica fora do perímetro da obra, e que cada uma poderá construir sua própria casa: “No fundo, no fundo, nós não queremos viver em apartamento. Queremos nossa casa, com nosso quintal para poder criar nossos bichos”, finaliza a líder do Movimento dos Sem Teto.
A Ocupação Quilombo do Paraíso mantém uma página no facebook. Entra lá, pra conhecer mais de perto essa realidade.
Enquanto isso o Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos prossegue firme em suas estratégias de combate à violência comunitária: a convivência com a arte, a cultura e o lazer, especialmente no que se refere às crianças e adolescentes. O projeto atua no Subúrbio Ferroviário de Salvador até 2021, também com ações nos bairros de Plataforma e Periperi.