No jardim da escola, uma menina de 5 anos se agacha na terra e fica cerca de dez minutos ali, com o rosto quase encostado no chão e com os braços abertos. Ela protege uma minhoca miúda e enfrenta os argumentos de quatro colegas, que insistem em desenterrar o bichinho e levá-lo para outro lugar — antes que ele coma toda a planta que está ao seu lado. “Eu sei que o mais importante é ela”, repete a menina com firmeza. Dali a minhoquinha não sairia.
A cena, descrita por Izenildes Bernardina de Lima, coordenadora de educação infantil da Secretaria Municipal de Educação de Camaçari – mais conhecida como Mynuska –, integra as observações realizadas para sua pesquisa de mestrado. Sob o título “A criança e a natureza: experiências educativas nas áreas verdes como caminhos humanizadores”, a dissertação foi defendida no fim de julho no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana.
“Uma criança que aprende a proteger uma minhoca não vai fazer mal a ninguém, porque ela aprende a amar”, analisa Mynuska, ao afirmar que o contato com a natureza faz uma diferença extraordinária na subjetividade da criança. “A experiência de subir em árvores, tirar fruta do pé, cheirar a planta e pisar na terra e na água só a natureza pode oferecer. Uma experiência que é parte do nosso processo de humanização. Somos parte da natureza e, quando estamos conectados com ela, nos humanizamos mais”, assinala.
A pesquisa foi realizada em uma escola de educação infantil de Camaçari e envolveu as metodologias de observação participante e de grupo focal. “Fiquei dias na escola observando as crianças interagindo com a natureza. Registrei sentidos e significados expressos pelas crianças quando estavam nas áreas verdes. E organizei três grupos focais com as educadoras, refletindo como elas viam essa interação”, explica Mynuska.
A importância da interação da criança com a natureza é tema constante no projeto Paralapracá. São diversas as maneiras com as quais o projeto busca fomentar a discussão sobre o tema e oferecer subsídios para o desenvolvimento de ações integradas com a natureza em instituições de educação infantil. A distribuição do livro Barangandão Natureza — 36 brinquedos inventados por meninos e meninas, do arte-educador mineiro Adelson Murta – o Adelsin – foi uma delas. A obra apresenta 36 brinquedos inventados por crianças em convivência com a natureza e integra o conjunto de materiais de uso pedagógico que o projeto Paralapracá disponibiliza à rede de municípios.
Nas formações do projeto, o tema natureza também é recorrente. O encontro formativo realizado em Olinda (PE) em 2014, por exemplo, contou com a participação de duas educadoras do Centro Internacional Loris Malaguzzi, da cidade italiana de Reggio Emilia, que trataram da organização de ambientes a partir dos elementos naturais. Em outubro próximo, cerca de 15 representantes do projeto Paralapracá participarão do Seminário Internacional RedSolare Brasil 2015, cujo tema será “As crianças, as linguagens da natureza e cada um de nós: conexões e relações com Reggio Emilia”. O evento será realizado no Vale do Capão, que fica na Chapada Diamantina (BA).
De volta à dissertação de Mynuska, a pesquisadora relata que o envolvimento com o projeto Paralapracá foi de grande importância para a realização de sua dissertação. “As formações e as palestras do Paralapracá complementaram meus estudos do mestrado, e o projeto me deu a oportunidade de conhecer algumas autoras que eu estudava e que eram referência dos meus fundamentos teóricos”, conta. Nesta linha, Mynuska cita Silvia Helena Vieira Cruz, da Universidade Federal do Ceará; Lenira Haddad, da Universidade Federal de Alagoas; e Maria Malta Campos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Carlos Chagas.
“Estudar uma autora e estar com ela presencialmente, em encontros possibilitados pelo Paralapracá, foi muito gratificante e nutridor. Dei um salto qualitativo muito grandioso na minha pesquisa”, comenta ela. Os fundamentos do projeto Paralapracá também contribuíram para confirmar e aprofundar o caminho que a pesquisadora havia escolhido em seu estudo de mestrado: aquele que respeita a escuta da criança, considerada protagonista de sua ação.
Se antes de desenvolver sua pesquisa Mynuska acreditava na importância da presença de áreas verdes na infância, depois da trajetória do mestrado essa defesa ficou mais forte.
“Tive ainda mais certeza da importância das áreas verdes depois de minha imersão na pesquisa. Elas são valiosos ambientes para a convivência solidária, para a brincadeira, a imaginação, para aprendizagens diversas sobre a teia da vida, assim como para apurar a sensibilidade. Há qualidades específicas nestas experiências que só a natureza pode dar. As crianças que vivem apartadas do mundo natural perdem valiosas oportunidades de conectar-se mais profundamente consigo e com a diversidade de vida que pulsa à sua volta. O contato com a natureza é elemento essencial no desenvolvimento da criança”, conclui.
Fonte: site do Paralapracá.