No último mês (outubro), as mídias tradicionais e as redes sociais foram inundadas por notícias, posts e comentários, respectivamente, sobre uma mãe que abandonou uma recém-nascida em Higienópolis, região central de São Paulo. O crime aconteceu no fim de semana e foi registrado por câmeras de segurança de prédios das proximidades. Alguns a condenando, transformando-a em vilã por ser vítima do mito da maternidade, outros ponderando o contexto de vida, comum a muitas mulheres brasileiras, que a levou a uma atitude como esta. No Brasil, “abandonar” um bebê é crime punido com até três anos de prisão, pena que pode aumentar em um terço quando é a mãe ou outro parente próximo que consuma o ato. O caso em questão é emblemático para mostrar a relevância da recente publicação da cartilha: “Política de atenção á gestante: apoio profissional para uma decisão amadurecida sobre permanecer ou não com a criança”.
A publicação, viabilizada por uma comissão interinstitucional formada pela coordenadoria da infância e juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, secretaria Estadual da Saúde, Secretaria Estadual do Desenvolvimento Social e Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo, traz muitos desafios quando se propõe “ações agregadoras que garantam soluções dignas às mulheres que querem dar aos seus bebês um destino mais humano e saudável, seja ficando com eles ou entregando-os, porém, em segurança, sem medo, sem temer punição e respeitadas em sua decisão”, como diz o Desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa Coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, na apresentação do documento.
Acolhimento Familiar
Em 2009, o Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA) passou por uma revisão promovida pela Lei 12.010, promulgada em 3 de agosto de 2009, conhecida como a “Lei da Adoção”. A lei alterou o Estatuto ao incluir não somente questões diretamente ligadas à adoção, mesmo sendo este o grande foco, mas ao tratar, também, do Acolhimento Institucional, e de uma nova medida de proteção, no artigo 101, chamada Acolhimento Familiar. “É direito de toda criança e todo adolescente ser criado no sei de uma família – natural ou substituta – e crescer em uma comunidade” (capítulo 3 do ECA).
Porém, mesmo garantido por lei, são necessárias políticas públicas e redes para manter os bebês e crianças em seus núcleos familiares, fortalecendo-os para que ajudem seus filhos a se desenvolverem plenamente. E não sendo possível, sendo necessária a separação, a existência de programas de famílias acolhedoras, que ainda são muito poucos existentes hoje. A cartilha em questão é situada como um ponto de partida para desencadear ações intersetoriais, tendo como público-alvo gestantes que se encontram fragilizadas, inseguras, decididas ou não a entregar seu bebê.
Objetivo
A Avante indica a leitura da cartilha por ser uma publicação que se constitui como fonte de importantes informações para os profissionais que estão na ponta e que são os responsáveis pelo contato direto com os sujeitos de direitos a quem se procura atender. A ausência de informações desses profissionais provoca os exila, muitas vezes entre o sentimento de repulsa provocada por casos como o da “mãe de Higienópolis” e o desejo de entender e colaborar, porém de forma equivocada.
Para superar essa realidade “é preciso que as instituições e seus funcionários adotem posturas éticas e técnicas na perspectiva de superar os estigmas que acompanham essas mulheres”, aponta o desembargador Eduardo Cortez. O documento traz leva a esse profissional dados sobre quem são essas mulheres, sobre abandono e preconceito, entrega e não abandono e pressupostos para um bom atendimento articulado na rede (primeiro capítulo). E ainda: fluxo básico e diretrizes de atendimento, consequências de um atendimento inadequado, linhas de cuidados/setores técnicos e informações sobre os Grupos de Apoio à Adoção (GAA).
A cartilha não deixa de mencionar as muitas mulheres que não passaram pelo atendimento dos serviços de saúde. “Ou seja, embora grávidas não fizeram acompanhamento pré-natal e não estão incluídas em nenhuma rede socioassistencial. Como incluí-las?”.
Talvez, assim, a “mãe de Higienópolis” se sentisse mais segura para procurar apoio junto a profissionais mais bem preparados para ponderar um encaminhamento, com base na sua realidade: uma mulher que pariu sozinha, escondida no banheiro anexo ao quarto de empregada, a sua terceira criança. O primeiro, um garoto de 17 anos, é criado por parentes na Bahia. A segunda, uma menina de três anos, vive com ela na casa dos patrões, no bairro nobre de Higienópolis.