“Quem tem saudade não está sozinho, tem o carinho da recordação […]”. Os versos do compositor pernambucano Nelson Ferreira, na música Frevo da Saudade, traduzem o sentimento compartilhado pelas coordenadoras pedagógicas e professoras formadoras na certificação do programa Paralapracá, em Olinda (PE). O evento, realizado no dia 8 de dezembro, no auditório da Secretaria de Educação de Olinda (SEDO), marca a conclusão de uma história de três anos.
Em conversa com a professora formadora da Escola Municipal 19 de Setembro, Cely Bastos, uma das 68 certificadas pelo Programa em Olinda, foi possível conhecer sua trajetória como profissional que atua na Educação Infantil e o impacto que o Paralapracá teve em sua vida. O resultado é um relato emocionado, que expressa sentimentos e experiências de muitas outras profissionais certificadas nos cinco municípios parceiros do Programa, no ciclo II (2013 a 2017): Olinda (PE), Camaçari (BA), Maceió (AL), Maracanaú (CE) e Natal (RN), que se dedicaram às formações do Programa nas instituições, colaborando para expandir os princípios do Paralapracá em prol de uma Educação Infantil de qualidade nos municípios.
O Paralapracá é uma frente do Programa Educação Infantil, do Instituto C&A, realizado em parceria técnica com a Avante – Educação e Mobilização Social, em dois âmbitos de atuação: a formação continuada de profissionais de Educação Infantil e o acesso a materiais de uso pedagógico de qualidade, tanto para crianças quanto para professores. No primeiro ciclo (2010-2012), integraram-se ao programa os municípios de: Jaboatão dos Guararapes (PE), Caucaia (CE), Feira de Santana (BA), Teresina (PI) e Campina Grande (PB).
Paralapracá: Primeiro, eu gostaria que você se apresentasse.
Cely Bastos: Cely Regina da Silva Melo Bastos, filha de Luiz Antônio de Melo e Georgina da Silva Melo. Meu pai era técnico em comunicação e minha mãe era do lar. Tenho seis irmãos, dois homens e quatro mulheres. Iniciei a carreira em 1987, em uma escola da Rede Privada, no bairro de Jardim Paulista. Eu passei 25 anos nessa instituição, onde eu me aposentei. Então, da Rede Privada, eu sou aposentada. Desde pequena eu brincava de professora com minhas bonecas e amiguinhos. Tive uma infância muito gostosa, brinquei de tudo que você pode imaginar, brincadeiras de rua, de bolas de gude, de pipa. Foi uma infância muito legal!
Paralapracá: Como você se tornou uma professora da Educação Infantil?
Cely Bastos: Quando iniciei a minha trajetória como professora, comecei na Educação Infantil. Eu era apaixonada por essa fase da infância. Em um determinado ponto, eu tive que trocar de instituição e acabei indo para o Ensino Fundamental porque só tinha uma vaga, então eu assumi. Passei 25 anos lecionando para esse segmento, mas com práticas pedagógicas de vivência, com foco nos campos de experiências, voltadas para o fazer, o sentir, o experimentar, mesmo no Ensino Fundamental, porque, independentemente de estar na Educação Infantil, eu sempre acreditei que essas práticas têm que ser por toda a vida.
Em 2011, eu fiz o concurso na prefeitura de Olinda, passei e fui chamada em 2013. Ao chegar, me disseram: “só tem vaga para a Educação Infantil”. Ali foi um estalo. Nossa! Educação Infantil?! Veio um resgate na memória, lembrei que tinha começado a minha trajetória com a Educação Infantil. Fui transportada para quase 25 anos atrás, lembrei desse amor que estava latente, e que eu podia, agora, pôr em prática.
Paralapracá: Como tem sido a experiência com as crianças na Rede Pública?
Cely Bastos: Essa comunidade aqui [Águas Compridas, onde fica localizada a Escola 19 de Setembro] me inspira. Essas crianças não têm um parque próximo, não têm praças, a maioria mora nos morros [comunidades de baixa renda]. Então, para eles, a escola é o melhor lugar.
Mas para que esse espaço crie as possibilidades de uma aprendizagem significativa, estimule a imaginação, a criatividade, o professor tem que ter sensibilidade. Tem, realmente, que deixar a criança aflorar nele. Se ele permitir isso, ele consegue entender o brincar da criança, a forma como ela aprende, a forma como ela vai te dando a direção, o caminho, o norte e o professor sensível a isso vai se deixando levar, fazendo seu planejamento, organizando seu dia a dia, se tornando parceiro. E é assim que tem acontecido. Isso aqui para mim foi uma riqueza.
Paralapracá: Qual foi sua impressão quando o Paralapracá chegou em Olinda?
Cely Bastos: O Paralapracá chegou em Olinda no ano que entrei para a Prefeitura e eu assumi a Educação Infantil, daí eu pensei: pronto, agora eu tenho possibilidades de vivenciar aquele amor que ficou guardado!
Nós não tínhamos, no município, o número de coordenadoras pedagógicas suficientes para assumir as formações do Programa. Eu tinha três meses de Rede e fui chamada pela minha gestora para representar a instituição como professora formadora [formada pelo Paralapracá para ser formadora dos professores na sua instituição de Educação Infantil]. Eu não conhecia o Programa e, ao mesmo tempo, senti medo e fiquei lisonjeada com aquele convite. Mas quando eu fui para a abertura do Paralapracá, vi um pouco do que seria, porque foi regado à base de muita música, de muito colorido, de muitas manifestações culturais. Aquilo ali me encantou. Nossa! Eu tinha, ali, a oportunidade de vivenciar uma iniciativa que traria cor e movimento para a Educação Infantil no município.
Paralapracá: Como as formações ajudaram na sua prática como professora?
Cely Bastos: Quando comecei a participar das primeiras formações, a cada eixo que vivenciávamos [brincar, literatura, música, artes visuais, organização do ambiente, exploração do mundo], a formadora nos deixava experimentar, nos levando a nos sentir como crianças, valorizando o ser criança. Quando eu voltava para a minha prática pedagógica, me sentia muito à vontade, porque eu estava referendada, empoderada naquilo que estava fazendo com as minhas crianças; passei a me sentir fortalecida no que eu acreditava.
Antes do Programa, eu lia o Referencial da Educação Infantil e sentia que sabia o que eu estava fazendo, mas o próprio sistema, às vezes, me dizia que não era por aí. Com o Paralapracá, a cada formação, eu me alimentava, me fortalecia, ia perdendo os medos, as inseguranças de pôr em prática o que eu acreditava. O Paralapracá fortaleceu minha prática pedagógica, os movimentos se tornaram muito mais fortes, a música, as artes, as práticas com a natureza.
Eu costumo dizer que aqueles momentos de Paralapracá [as formações] se tornaram terapêuticos, porque o professor abastecido, revigorado, tem suas forças renovadas. Naqueles momentos, naquela roda, naquela ciranda, a gente cantava, a gente ouvia as angústias das colegas, partilhava as alegrias. Saíamos dali com vínculos afetivos.
Paralapracá: Até que ponto vai o seu envolvimento com o Paralapracá?
Cely Bastos: O Paralapracá se enraizou em mim e se ramificou através de mim, porque ele foi tão potente, que eu tenho que passar isso para outras pessoas. É como uma árvore que foi bem plantada, ela produz frutos, sombra, produz coisas maravilhosas. Eu tenho ido a museus, e penso que têm tudo a ver com o Paralapracá; estive em uma praia recentemente com uma sobrinha, e ela estava pegando na areia e o pai ‘cuidado, cuidado!’ E eu dizia ‘deixa, deixa ela ter esse contato!’. É o Paralapracá.
Eu não podia ficar com isso só para mim. Eu tenho amigos de outros estados que não conheciam o Programa e passaram a conhecer; passaram a desfrutar disso. Eu sempre falo: “você conhece o Paralapracá? Visita lá o site”. Ao longo dos anos, eu visitei contadores de história, do Tapete Contadores de História, e eu falei para eles do Paralapracá. O Programa não ficou só na minha Rede, não ficou só na minha instituição.
Paralapracá: E agora, resgatando essa trajetória, o que lhe vem primeiro à memória?
Cely Bastos: Não dá para dissociar a minha vida profissional da minha vida pessoal, e ontem [certificação] foi um marco na minha história de vida. O Paralapracá veio como um presente. Eu faço um resgate de três anos atrás e percebo que hoje eu não sou mais a mesma, eu me sinto mais fortalecida.