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Na idade das letras

Por Patrícia Lacerda*
Com todos os seus avanços e pontos polêmicos, o Plano Nacional da Educação (PNE) definitivamente estabeleceu uma agenda para a educação brasileira. O início de 2015 foi marcado pelo esforço de municípios e Estados para construir seus planos de educação. Depois, a atenção se voltou para a definição da Base Nacional Comum Curricular (BNC), que se vincula à meta do PNE de fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades.


O documento preliminar da BNC passa agora pelo crivo da sociedade civil em um processo de consulta pública que vai até março. Ele traz progressos importantes em vários aspectos, mas dois, em particular, interessam a uma organização como o Instituto C&A, que tem a educação integral, a promoção da leitura e a educação infantil como frentes de investimento.


Em primeiro lugar, a BNC assume nos preâmbulos a concepção de educação como um processo contínuo, considerando o desenvolvimento integral das pessoas. Em segundo, evidencia o letramento literário, isto é, a forma de apropriação da literatura como linguagem que oferece uma experiência estética, como um conhecimento relevante que se desenvolve ao longo de toda a vida.


Justamente por serem estruturantes para as demais aprendizagens, o letramento literário e a alfabetização propriamente dita têm ocupado lugar central nas reformas educacionais dos países. Deve-se aprender a ler para aprender matemática, gramática, história, mas, sobretudo, para aprender a ser.
Pesquisas em diferentes áreas da ciência mostram o impacto da leitura literária na formação da personalidade, no fortalecimento de vínculos, no desenvolvimento emocional e intelectual. É por isso mesmo que a leitura não deve começar na escola, mas desde o ventre materno, em cantigas e histórias contadas por quem rodeia o bebê.


A maior parte das crianças contemporâneas nasce imersa na cultura escrita. As palavras estão estampadas nos rótulos dos alimentos, nas placas das ruas, nos jornais. Explorar essa familiaridade com a palavra escrita na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental é um convite para as crianças participarem mais ativamente do mundo em que vivem.


É inegável a importância do trabalho de letramento iniciado na primeira infância, dentro de uma visão de educação integral. Todavia, fica como ponto de atenção o que se verifica em muitas redes de ensino, em que os currículos são pressionados já desde a educação infantil pela expectativa da alfabetização na idade certa, isto é, aos 8 anos de idade, conforme estipula o PNE. Entendida como um limite definitivo, a meta da alfabetização chega a induzir práticas sem sentido para a criança pequena, muito descoladas do mundo infantil e que se sobrepõem inclusive à potente experiência do brincar.


Não é preciso ser especialista para perceber que colocar crianças pequenas em fila para ir ao quadro desenhar uma letra, ou utilizar estratégias como cópias frequentes, cobrir e colorir sílabas pontilhadas não é coerente com a perspectiva de um letramento que parta do natural interesse das crianças pelo mundo da palavra escrita. Isso provoca distanciamento das crianças do desejo, da sua curiosidade inata de aprender.


Se a hora é de refletir sobre o que propõe a BCN, há que se considerar que o currículo escolar precisa contemplar a ideia de que a relação com a leitura não acaba quando somos considerados “plenamente alfabetizados” ou quando recebemos um diploma – ela deve ser estabelecida para o resto da vida. Do ponto de vista da vida escolar, a educação infantil é só o primeiro passo e os anos iniciais do ensino fundamental são o segundo, e não o último. Mais importante do que sair logo correndo é não tropeçar na largada.


É preciso pensar seriamente em como desenvolver o letramento de uma forma mais sustentável – o que traz para a cena o papel fundamental da formação de professores leitores, da valorização da leitura literária e da biblioteca escolar também na educação infantil, assim como do tempo de brincar e de explorar livremente o mundo.


A construção do consenso mínimo em torno de uma base curricular comum deve ser uma oportunidade de enriquecer a experiência educativa e transformar práticas à medida que se tenha o desenvolvimento integral como concepção que permeia toda a educação básica. Em sua função de formar cidadãos para a vida, a educação escolar só tem a ganhar quando se foge da fragmentação e quando campos de experiência como a leitura de literatura conseguem unir como um fio condutor diferentes etapas do ensino.


* Patrícia Lacerda é gerente da área Educação, Arte e Cultura do Instituto C&A.
 
Fonte: Paralapracá.

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