Sancionado na integra pela presidenta Dilma Rousseff, no último dia 8 de março (Dia da Mulher), o PLC 14/2015, que instaura o Marco Legal da Primeira Infância, é uma das mais modernas legislações do mundo sobre a promoção do desenvolvimento das crianças de 0 a 6 anos de idade. Para a Avante – Educação e Mobilização Social, sua sanção significou também a legitimação, na forma de lei, de muitas bandeiras históricas de luta da organização e de tantas outras que fazem parte da Rede Nacional da Primeira Infância (RNPI). Entre essas bandeiras, a consultora associada fundadora da Avante, Maria Thereza Marcilio, comenta três delas: o aumento da licença-paternidade, a qualificação e formação docente e a intersetorialidade.
A Avante, na condição de integrante da RNPI; secretaria executiva da Rede Estadual Primeira Infância da Bahia (REPI – BA) e executora, ao longo de seus 20 anos de existência, de diversos projetos que têm como foco a garantia dos direitos da infância, comemora a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância. “A nova lei dá à infância um lugar de mais visibilidade, de mais atenção, mais cuidado, reconhecendo os aspectos que garantem mais proteção e apoio a essa etapa tão importante para a vida”, diz Maria Thereza. Mas ressalta que, apesar da sanção sem vetos, a mobilização social que esteve na base do movimento pelo Marco deve continuar para que a nova lei saia do papel.
Leiam abaixo os comentários de Maria Thereza sobre alguns aspectos da nova lei:
Intersetorialidade
“O Marco trouxe algumas grandes inovações, uma delas é o fato de ele reunir várias medidas já adotadas em todo país, inclusive o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente. O grande avanço é justamente juntar ações e medidas que estavam dispersas em diversas áreas de políticas públicas, recomendando, como condição para a sua aplicação, a intersetorialidade. Com isso, o atendimento à criança será oferecido em uma perspectiva de sujeito de atenção integral e integrada, e não como objeto de diferentes intervenções e recomendações de diferentes políticas públicas, como acontece atualmente.
É recomendada, inclusive, a formação de comissões intersetoriais nos municípios onde estão as crianças, criando assim as condições para que os trabalhadores dessas diferentes áreas e suas ações se articulem localmente para o maior benefício das crianças.”
Licença paternidade
“A extensão da licença paternidade, que passa de cinco para 20 dias, significa que estamos compreendendo o papel do pai na vida de um bebê. O que é um avanço para a sociedade brasileira. Esse reconhecimento já acontece em outros países que incorporaram em suas políticas a importância da Primeira Infância, a exemplo dos países nórdicos, nos quais os pais têm direito a gozar licenças extensas ao lado das mães.
Essa medida me parece especialmente importante para cidades como Salvador, que apresentam um número altíssimo de famílias chefiadas por mulheres, o que denota o abandono da família por parte do pai. Então, reconhecer a importância paterna nessa fase, que, normalmente e culturalmente, é atribuída apenas aos cuidados da mãe, é um avanço muito grande.
Com isso, os homens têm a oportunidade de se implicarem mais com o desenvolvimento dos seus filhos, de compreender as demandas que existem com a chegada de um bebê e, assim, ter uma relação de maior parceria com suas mulheres. 20 dias parecem pouco, mas farão uma enorme diferença. E podem ser a semente de ampliações na licença paternidade.”
Formação
“Os profissionais que lidam diretamente com as crianças, em especial os professores, têm uma formação voltada para este segmento. No entanto, há muito o que avançar nessa área.
A intenção é que seja uma formação mais integrada, que o professor não olhe para a criança nessa etapa como um aluno apenas. É preciso que ele saiba identificar situações emocionais, necessidade de cuidados de saúde da criança, saiba estabelecer uma relação de afeto, enxergue toda a potência que a criança tem.
Para isso, é necessária uma formação mais holística, na qual, do ponto de vista da saúde, por exemplo, sejam abordadas a questão emocional, a questão afetiva, as questões relativas às relações do bebê. Que permita que o professor possa entender questões de saúde, de relações familiares, de aspectos que extrapolam o limite dos muros da instituição de Educação Infantil.
A nova lei demanda também que todos os profissionais que lidam com a Primeira Infância, na área da proteção, na área do cuidado, na área da saúde, educação, lazer, cultura, entre outras, tenham uma formação voltada para a integridade desse ser, que tem especificidades de sua faixa etária, as quais se distinguem das dos adultos e das crianças maiores.
Para que isso se cumpra, está previsto a formação de comissões setoriais em todas as instâncias administrativas: municipal, estadual e federal. Ao se promover a formação dessas comissões, dar-se-ia a possibilidade ao profissional que as comporá de entrarem em contato com representantes de áreas distintas, o que naturalmente estabelece um processo de intercâmbio, sendo assim um instrumento eficiente para aproximá-las, para que seus componentes não enxerguem mais a criança só pelo olhar de sua área de atuação.”