Não é a falta de informação a principal causa de gravidez na adolescência. Ao menos é o que disseram as adolescentes grávidas do projeto Mães de Primeira Viagem. A pesquisa, uma das ações do projeto, mostra que elas tendem a seguir a história de vida de suas mães, que, em muitos casos, também engravidaram cedo. Existe também a necessidade de que as informações cheguem a elas de maneira mais qualificadas para que façam sentido em suas vidas privadas, nas quais é marcante a falta de perspectiva de futuro. Esses são algumas dos resultados e impactos apresentados no Seminário de Encerramento do projeto Mães de Primeira Viagem, ocorrido no dia 30 de setembro, no auditório do Parque São Bartolomeu.
A ideia de que a falta de informação é a causa da gravidez na adolescência, no entanto, foi sustentada pelos agentes do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), dos bairros onde o projeto interveio (Pirajá, Parque São Bartolomeu, Calabetão e Jardim Santo Inácio). Contudo, mais de 90% das adolescentes grávidas assistidas pelo projeto assumiram ter conhecimento das informações de prevenção da gravidez, sendo uma das muitas informações que surpreendeu os agentes do SGD.
Além da pesquisa, o projeto promoveu ações de mobilização e articulação do SGD nos quatro bairros atendidos. Para tanto, foram realizadas 74 visitas a instituições (governamentais e não governamentais). Realizou-se também o mapeamento e sensibilização de 29 lideranças comunitárias e o atendimento às grávidas e seus parceiros, num total de 38 mães e pais de primeira viagem. Além disso, ocorreram ações preventivas sobre gravidez na adolescência em duas escolas, uma em Pirajá, outra no Calabetão, atendendo 50 adolescentes.
O consultor da Avante – Educação e Mobilização Social e coordenador geral do projeto, José Humberto da Silva, explicou se tratar de um projeto pontual cuja intenção foi produzir uma experiência que pudesse ser apresentada aos equipamentos públicos e às lideranças para que pudessem incorporá-lo como uma prática, após o seu término. “Nosso entendimento é que o Sistema de Garantia de Direitos (SGD), sobretudo o poder público, tem a responsabilidade de prover integralmente esse atendimento às adolescentes grávidas. Muitas delas não tinham feito nem o primeiro pré-natal, estando no sétimo ou oitavo mês de gravidez, ou mesmo estado em um posto de saúde”, acrescentou José Humberto.
Para Yane Barreto, psicóloga do SEMPS/CRAS – Centro de Referência da Assistência Social, do Lobato, a experiência de ser uma representante de um aparelho público que fez parte da rede de acolhimento mobilizada pelo projeto é “algo espetacular”. “A princípio foi um desafio. Algo novo, que nos abriu os olhos para uma realidade que não conhecíamos do nosso campo de atuação. Não esperávamos que fosse tão proveitoso. Hoje, podemos ver a riqueza do trabalho, não só na comunidade do Lobato, mas em todos os bairros acolhidos pelo projeto. Por isso, espero que seja dada sequência, para continuarmos usando o que aprendemos com a iniciativa. É, sim, um projeto replicável em outras áreas da cidade”, disse.
Fernanda Lima Mantelli, analista de responsabilidade social do Consórcio Mobilidade Bahia (do qual faz parte a construtora Camargo Correia), uma das apoiadoras do projeto, lembrando que outro resultado foi a criação de uma rede de cooperação integral para as adolescentes dos bairros beneficiados, acredita que o impacto da iniciativa nas comunidades foi além do que os números podem mostrar. “Não trouxe benefícios somente a quem estava diretamente ligada ao projeto, mas a todos que tomaram contato de forma indireta; com certeza, refletiram e se transformaram em multiplicadores do cuidado com a maternidade, as adolescentes e as crianças”, disse.
Ela acredita que as informações socializadas no seminário garantem que o objetivo do Mães de Primeira Viagem foi alcançado e mostra que iniciativas como a do Instituto Camargo Corrêa e do Consórcio Mobilidade Bahia devem continuar existindo. “Pois existem adolescentes precisando de apoio, seja para prevenir gravidez inesperada, ou para garantir uma gravidez segura. Espero que a ideia se espalhe, pelo bem das mães de primeira viagem, seus filhos e familiares”.
Analista de Investimento Social em Obras do Instituto Camargo Corrêa, Edivânia Assis, aponta as ações de apoio psicossocial realizadas em grupos com as adolescentes a parte mais bonita do projeto. “Trabalhar com adolescentes grávidas, cada uma com sua estória, e que durante esse período puderam ter acesso aos aparelhos públicos, trouxe para elas, e para nós, que estávamos acompanhando, grande conhecimento, que certamente será passado adiante”, disse, sem deixar de ressaltar a “belíssima” maneira como Avante – Educação e Mobilização Social conduziu o projeto.
Apoio psicossocial
Em cada um dos bairros foram formados grupos de apoio psicossocial para gestantes de 13 a 18 anos e seus parceiros. Foram espaços criados com o objetivo de mudar o olhar que as futuras mães e seus familiares tinham sobre a gravidez na adolescência. “Principalmente, mostrar para elas que o filho não significa o fim de sonhos e que suas histórias de vida podem ser diferente daquilo que a maioria tinha na cabeça, seja por falta de perspectiva, ou pelos exemplos de vida ao seu redor. A partir daí buscamos trabalhar com cada uma delas um projeto de vida”, conta Fernanda Pondé, que juntamente com Glaucia Borja, ambas psicólogas da Avante, ficaram responsáveis pelos grupos de apoio psicológico.
Para trabalhar as informações sobre gravidez, sexualidade, cuidados com a gestação e o bebê, a equipe da Avante, formada pelas psicólogas, as assistente sociais, Deise Nery, Patrícia Sanches e a pedagoga e assistente do projeto, Noemi Marques, além do mobilizador social, Ailton Teixeira, que realizaram diversas ações. Entre elas, palestra com nutricionistas sobre alimentação para gestante e bebê, e seus mitos; palestra com a enfermeira sobre as fases da gestação: o que acontece com a mãe e o bebê; parto normal e cesáreo; cuidados com o bebê. Além disso, as adolescentes visitaram o Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira – Mansão do Caminho.
O seminário, cuja mesa de abertura contou com a liderança do Conselho Comunitário de Pirajá, Marcelo Coelho e o Monitor Artístico do Parque São Bartolomeu, Vandson Teixeira, foi encerrado com as palavras da coordenadora local do projeto, Judite Dultra, que reforçou a ideia de que o legado do projeto continua.
“As informações, percepções, o acolhimento, o sentimento que elas tiveram, elas vão compartilhar com outras adolescentes. Eu adoraria replicar toda essa experiência em muitos outros bairros. Pois não são apenas aqueles em que estivemos que têm um alto índice de gravidez na adolescência (Pirajá por exemplo, tem um índice quatro vezes maior que as áreas menos afetadas da cidade). Mas sabemos que é uma experiência que pode ser replicada pelos aparelhos públicos, talvez não em todas as suas etapas, mas muito do que foi feito pode ser absorvido”, concluiu.