Na primeira visita de 2020 à Ocupação Quilombo do Paraíso, após o recesso de final de ano, o Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos (Avante e KNH) encontrou uma comunidade saudosa das brincadeiras e das conversas com a equipe do Projeto, e reconhecendo o brincar como uma importante estratégia para que as experiências nesse espaço sejam mais pacíficas. O grande motivador para as ações do Projeto, desde a sua criação, em 2017.
“Fomos conversar com as famílias, saber como foi o recesso, e logo na chegada já nos receberam muito ansiosos. Segundo os familiares, as crianças já vinham demonstrando saudade das atividades e estavam com muitas expectativas para o retorno”, afirma Zé Diego, educador brincante do Projeto desde 2018. Mas foi nas vozes das crianças onde a importância do brincar se revelou parte fundamental do cotidiano, num movimento em direção à superação da violência. “Senti falta da felicidade que vocês têm, o sorriso no rosto, tudo, muito das brincadeiras. Parece que vocês têm coração e mente de criança e ajuda a gente a ter uma infância boa para a gente não crescer adolescentes rebeldes”, declarou Alisson Júnior, 11 anos, que descreve as ações do Estação Subúrbio como momentos de muita aprendizagem: “Não é só um Projeto ou uma brincadeira, é um ensinamento para todo mundo. Ensinam tudo à gente, muita coisa. Ensinam a respeitar o próximo, a todo mundo, a ser melhor”, reiterou.
A visita realizada por Zé Diego teve por objetivo retomar os diálogos com a comunidade para entender, nesse primeiro momento, os sentimentos em relação ao início desse novo ciclo, mas a demanda pelos momentos lúdicos falou mais alto. “Procuramos retornar devagar, chegar, primeiro conversar. Mas o brincar surgiu, e com muita naturalidade, a pedido delas, o que foi o mais interessante. Conversamos um pouco e logo estávamos brincando de bola. Quando menos percebemos, estávamos pintando e num instante todas as crianças estavam sujas de tinta [risos]”, declarou o educador brincante.
Num contexto onde as crianças, por ordem da sobrevivência, muitas vezes são levadas a assumir responsabilidades como adultos, para Zé Diego, o universo do brincar é, em potencial, a possibilidade delas vivenciarem plenamente a própria infância, sem tomar para si situações que são muito maiores do que elas conseguem lidar nesta fase da vida, por conta de limitações de ordem afetiva e emocional. Essa leveza, considerada crucial por Zé, foi expressa, espontaneamente, por Leonardo Alves, 11 anos, ao declarar: “Agora eu (des) estressei um pouco. Fiz alguma coisa! Estou feliz!”, disse.
Adultos também precisam brincar
Coerente com sua prioridade de colaborar para o enfrentamento à violência comunitária, em especial contra crianças e adolescentes, o Estação Subúrbio também envolve os familiares que, desde o início, recebem visitas domiciliares, apoio e suporte ao longo das atividades. Nessa retomada, foi identificado a importância dessa ação e a necessidade de seu fortalecimento. “Embora o posicionamento e compreensão das crianças, que já enxergam o novo padrão: a importância das brincadeiras no cotidiano, tenham trazido impactos positivos no âmbito familiar, e nós sentimos esse avanço, percebemos que ainda precisamos trabalhar melhor com as famílias”, contou Zé Diego, que avalia ainda ser um desafio ajudar alguns adultos a entenderem a importância de brincar com as crianças. “Ainda é difícil vê-los brincando com as crianças e nesse trabalho de pacificação das relações é importante essa interação para se estabelecer uma relação de mais afeto”, explica Zé Diego.
O educador conta que essa demanda junto aos adultos está ainda mais presente no planejamento do Projeto. “Estamos trabalhando cuidadosamente na programação deste ano, pensando o brincar como espaço necessário também para os adultos elaborarem seus afetos, construírem e aprenderem outras formas de se relacionar”, disse.