A Avante – Educação e Mobilização Social compartilha o texto “Nosso conto de fadas em Reggio Emilia”, produzido por Sandra Mara Costa:
Reggio Emilia (Itália) – “Sim, em italiano. Contaremos as histórias apenas em italiano”, frisou o moço da bilheteria. Mais da metade do grupo desistiu da empreitada perante a barreira do idioma, mas a máxima de que boa parte da comunicação se estabelece pelo não-verbal imperou entre duas ou três dissidentes e resolvemos pagar para ver. Era sábado de manhã e o espetáculo aconteceria à noite.
A noite chegou e era fria. O cansaço de um dia perambulando pelos arredores de Reggio Emilia tomava conta de nós, que ainda sofríamos com a confusão do adianto em cinco horas do fuso horário. Nossa sessão estava marcada para as 22h30 – isso mesmo, 22h30 e o evento era para crianças! É que as crianças podem dormir tarde em Reggio Emilia. Consideradas “cidadãs desde pequenas”, como é o lema do Instituto Reggio Children, elas acompanham os pais nos eventos noturnos e os pais acompanham a elas.
Resolvemos entrar, pois um teatro tão bonito como o Valli Reggio Emilia, construído no século XIX, merecia por si só a visita. De mais a mais, estávamos lá para viver RegioNarra a pleno, então não poderíamos fazer diferente. Mesmo se não entendêssemos a história, viveríamos a experiência da contação e, de quebra, conheceríamos por dentro aquele espaço magestoso, de qualidades inexistentes em muitas capitais do Brasil.
No saguão de entrada, fomos saudados por um grupo de atores vestidos de branco que nos pediam absoluto silêncio. Usando linguagem gestual, fomos organizados em pequenos grupos. Uma moça de olhar expressivo se aproximou de nós e perguntou baixinho: “Existe tristeza no pesar?” Dissemos que “sim” e fomos conduzidas a um camarote junto a uma família com um menino de aproximadamente 7 anos. No camarote, havia outra moça de branco grudada ao balcão, que nos aguardava sentada. Uma luz intensa e confortável descia sobre ela. A porta se fechou e ficamos todos os seis lá, aguardando nossa história.
Nossa história começou. Vinha sob a forma de uma narrativa bem construída, acompanhada de expressões contundentes e gestos que nos envolviam. Reinados, bosques, rainhas e cavaleiros à galope; uniões e separação; crianças desamparadas e amor fraterno. Havia tensão e esperança, Perrault e Grimm vivos naquele camarote. A história acabou em poucos minutos, mas a experiência foi intensa o suficiente para estabelecermos uma intimidade. Depois disso, de novo em silêncio, fomos conduzidos a outro camarote, no qual outra contadora de histórias nos aguardava para novamente nos surpreender.
Quando a segunda história acabou, a contadora nos convidou para observar em silêncio o que se via do parapeito do camarote. Olhamos para a sequência de balcões e avistamos uma cena inesquecível. Em vários pontos iluminados do teatro, outros contadores de história narravam ainda suas aventuras, cada qual à sua maneira, balançando os braços, os cabelos, gesticulando, subindo e descendo a voz e tirando de dentro o melhor de si.
Mesmo sem falar italiano, entendemos tudo o que se passou ali. E saímos do espetáculo transformadas.