Se fosse uma pessoa, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estaria no seu último ano do que nossa legislação considera juventude, atingindo, em breve, a vida adulta. Apesar de completar 29 anos, nosso ECA é ainda uma criança em relação às implementação das propostas que traz e dentro do processo histórico no nosso país, e precisa ser também protegido.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é um marco legal muito importante, que define, pela primeira vez, a criança e o adolescente de até 18 anos como um sujeito de direitos e assim assegura a prioridade absoluta como cidadão do País e a sua proteção como um dever compartilhado da família, da sociedade e do Estado em acordo com o artigo #227 de nossa Constituição Federal de 1988. Para Ana Luíza Oliva Buratto, vice-presidente e consultora associada fundadora da Avante – Educação e Mobilização Social, “a aprovação do ECA foi um dos marcos mais relevantes do processo democrático, uma vez que na democracia o cidadão conta com o apoio legal e pode recorrer à lei, chamar pelo seu direito. Passamos da ideia de caridade para construção de política pública”, disse.
A Avante começou com um grupo de consultores associados em 1991, um ano após a aprovação do ECA, constituindo-se como ONG em 1996. A instituição chega, neste ano, já com uma experiência construída e com a proposta de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, calcada no diálogo, na diversidade e na valorização do coletivo, atuando na garantia de diretos de crianças, jovens, mulheres, famílias e profissionais da educação, agentes comunitários e agentes públicos, participantes do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Constitui sua principal ferramenta o uso de processos formativos que considerem os sujeitos como capazes de aprender, construir significados e dar sentido à suas histórias, atuando crítica e colaborativamente na sociedade. Para isso, reconhece e advoga pela grande necessidade de fazer valer os documentos legais. De fazer valer o ECA.
Ana Luíza Buratto lembra que o Estatuto foi construído a partir de muito debate, num clima de efervescência e mobilização da democracia brasileira, recém conquistada por meio da culminância do movimento Diretas Já (1985): “Foi uma legislação demandada pela Constituição e foi construída por muita luta da sociedade civil, dos legisladores e profissionais das várias áreas associadas aos trabalhos pela infância e adolescência, inclusive com o protagonismo de muitas crianças e adolescentes”, recorda.
Resistência
Em seus 29 anos, o ECA ainda tem um longo caminho a percorrer para sair integralmente do papel e fazer parte da cultura da nossa sociedade. Até lá, se configura como um importante ferramenta nas lutas pela garantia de direitos das crianças, adolescentes e jovens brasileiros. Em um momento histórico no qual, lamentavelmente, autoridades governamentais tem encontrado ressonância entre cidadãos para disseminar ideias de violação dos direitos humanos, a exemplo da defesa do trabalho infantil, é em documentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente que os defensores desses mesmos direitos encontram o respaldo para suas ações.
O Estatuto traz nada menos que 20 artigos que fazem referência à proteção contra o trabalho infantil e a regularização da profissionalização de adolescentes em idade permitida, demarcando a proibição de qualquer forma de trabalho até os 13 anos, e as condições para o trabalho protegido na forma de aprendiz, a partir dos 14 anos, com restrições ao trabalho noturno, insalubre e perigoso, além de definir claramente as responsabilidades do Sistema de Garantia de Direitos (SGD).
“O trabalho infantil tem diversas consequências sobre as crianças, desde riscos de vir a ter problemas físicos, de atentar contra a própria vida, até consequências subjetivas causadas pelo impedimento da livre expressão, do distanciamento das próprias emoções, e do brincar, por exemplo. E essas são pautas da Avante porque estão diretamente ligadas à garantia de direitos”, afirma Ana Luíza, que esteve diretamente envolvida nos projetos da instituição de enfrentamento ao trabalho infantil.
A Avante começou sua trajetória nessa luta ainda na década de 90, por meio da formação de educadores do PETI [Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, do governo federal], passando por parcerias com a OIT (Organização internacional do Trabalho), o CONANDA, a SETRE (Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte) e mais recentemente o Instituto C&A (projeto Prote-Já ) . Ao longo dessa jornada desenvolveu metodologia de escuta de crianças para o enfrentamento ao problema. Uma história de mais de vinte anos respaldada por documentos oficiais como o ECA.
“Estamos em um momento político que nos expõe ao risco de perdermos muitas conquistas na área de direitos, seja pelos corte de recursos, pela extinção de importantes instâncias de defesa ou pela própria crise econômica, que podem impactar diretamente na vida das pessoas. Exatamente por isso é a hora de estarmos atentos, ocupando os espaços, com serenidade e firmeza, e defendendo a legislação que conquistamos com muito diálogo, mas também com muita luta”, finaliza Ana Luiza.