Por Ana Oliva Marcílio*
Com pouco mais de sete anos, a Lei nº 13.257/2016, o Marco Legal da Primeira Infância, foi concebida de maneira complementar ao Estatuto da Criança e do Adolescente. E sim, ela vai reafirmar que bebês e crianças até seis anos de idade são cidadãos com direitos garantidos. O instrumento assegura que meninos e meninas possam brincar, acessar serviços que promovam desenvolvimento saudável e bem estar, ser atendidos por profissionais qualificados além de fortalecer a família por meio da ampliação da licença paternidade e do abono de faltas para consultas de pré-natal e de puericultura tanto para as mães, como para os pais ou outro/a responsável.
Muitas vezes somos confrontados com um pensamento antigo de que os bebês se esquecem de tudo o que viveram. Esta afirmação não está completamente errada, já que de fato existe a “amnésia infantil”, fenômeno que faz com que a maioria de nós não consiga se lembrar de quando éramos muito novinhos. No entanto, tudo o que vivemos está registrado, mesmo que de forma subconsciente, conformando as bases para o desenvolvimento de cada um de nós. É por isso que as experiências vivenciadas pelos bebês e pelas crianças pequenas têm um grande impacto nos adultos que irão se tornar.
A Avante – Educação e Mobilização tem se dedicado há mais de 15 anos a estudar o comportamento e desenvolvimento infantil na primeiríssima infância (0 a 3 anos). A organização tem sido uma das divulgadoras da Abordagem Pikler, desenvolvida pela pediatra Húngara Emmi Pikler, que consiste em melhorar o desenvolvimento infantil por meio do cuidado com a saúde física, afetividade e respeito à individualidade e autonomia de cada criança. Dentre os princípios que norteiam a abordagem, estão: a valorização do vínculo entre cuidador (mãe, pai ou outro adulto responsável) e o bebê; o reconhecimento e o respeito à individualidade dos bebês; a promoção da autonomia através da liberdade de movimentos, do brincar livre; o respeito ao tempo e espaço necessário ao desenvolvimento sadio; e a formação contínua dos Cuidadores / Educadores. Segundo os estudos, crianças que passam por essa experiência crescem para se tornar adultos mais desenvolvidos em habilidades motoras. É importante um cuidado integrado, envolvendo a família e profissionais de qualidade na saúde, educação e assistência social. Estes adultos são fundamentais para formar a rede de proteção necessária para o pleno desenvolvimento infantil.
Mais do que os cuidados em casa, com a mãe, o pai e o cuidador, a abordagem Pikler está cada vez mais presente nas creches. Tem sido essencial expandir esta discussão para os educadores, uma vez que, por ser uma área relativamente nova no sistema educacional público, muitos profissionais tentam replicar o projeto pedagógico usado para as crianças mais velhas. Isto não atende as necessidades desta faixa etária, pelo contrário: acaba por desperdiçar oportunidades de desenvolvimento essenciais para os bebês.
As crianças de 0 a 3 anos não têm necessidade de escrever, ler ou mesmo ficar sentadas durante muito tempo. A creche deve ser um lugar onde a criança pequena adquire e aperfeiçoa habilidades fundamentais para o resto da vida. Sempre vale lembrar que as habilidades conquistadas e desenvolvidas nessa faixa etária correspondem à caminhada que diferencia homens de outros animais, a exemplo da fala, da imaginação, simbolização, movimento de pinça, caminhada em pé, e tudo isso permite o desenvolvimento e o uso de ferramentas. Ou seja, nessa fase a criança começa a andar, desenhar, inventar. Por isso, profissionais devem estar qualificados para lidar com este público.
Contraditoriamente, a Educação Infantil tem sido um dos maiores gargalos da política educacional nos últimos anos. Segundo o Relatório de Avaliação Plurianual do Ministério da Educação (2008-2011), a graduação dos professores da Educação Infantil é menor que nas demais etapas da escolarização básica. Além disso, as mais precárias condições de funcionamento da rede pública e privada se localizam na Educação Infantil (para crianças de até 3 anos).
Precisamos em primeiro lugar, entender a potência dos bebês, eles necessitam muito cuidado, mas podem construir aos poucos sua autonomia e relação com o mundo de forma muito positiva para o seu próprio desenvolvimento. Eles precisam de um ambiente adequado, acolhedor e, ao mesmo tempo, desafiador e estimulador. Cabe aos cuidadores oferecer as oportunidades para que isto aconteça. Em segundo lugar, precisamos investir na formação inicial e continuada de profissionais que trabalham com bebês. O avanço das técnicas e abordagens nos últimos anos tem sido rápido e é preciso – para o próprio bem da infância – que elas estejam qualificadas e mais conscientes do que nunca sobre seu papel imprescindível na vida das crianças e suas famílias.
* Ana Oliva Marcílio é consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social desde 2001, onde coordena o setor de ações estratégicas.