Dando continuidade à série de entrevistas realizadas com a coordenadora do projeto Comunidade de Aprendizagem e consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social, Carol Duarte, abordaremos a fase do sonho, a etapa em que, após a chegada e implementação do projeto no município, incentiva comunidade e escola a olhar para a instituição de ensino. Não para a que lhes é apresentada, mas para aquela que gostariam de ter, para aprender e conviver mais e melhor. O Comunidade de Aprendizagem é um conjunto de atuações educativas de êxito formatado a partir de pesquisas do Centro Especial de Investigación en Teorías y Prácticas Superadoras de Desigualdades (CREA), realizadas ao longo de 30 anos. A proposta é articular toda a comunidade (escola e seu entorno) pela melhoria da aprendizagem instrumental e da convivência. Em Horizonte e Fortaleza (CE), Itabuna e Camaçari (BA), o projeto está sendo executado pela Avante, em parceria com o Instituto Natura.
O SONHO
Avante – Em entrevista anterior, você falou das estratégias de chegada às secretarias, nos gestores, na comunidade escolar, nas famílias e lideranças. Existe uma estratégia específica para chegar ao aluno/a?
Carol Duarte – No momento que a gente fala para os pais/comunidade, se eles querem o projeto e eles dizem que sim, começa a transformação. Todos os alunos da escola, então, são chamados e é a vez de falarmos sobre o projeto para eles. É quando começa a fase do “sonho”, o momento em que os meninos/as são chamados para sonhar a escola que eles querem para aprender mais e melhor. Como eles acham que a escola precisa ser para que tenham mais amigos e convivam de forma mais saudável?
Avante – Essas crianças e adolescentes vivem uma realidade e um contexto cultural que, desde cedo, deixa a entender que escola pública não vai dar conta, não é boa. E de repente lhes são postas possibilidades de mudança. O que acontece com esses alunos/as depois dessa provocação?
Carol Duarte – Essa é uma pergunta muito legal porque eu também tinha essa dúvida quando começamos a implementar. E é impressionante como é fantástica a palavra “sonho”. Paulo Freire já falava disso, né? De que a gente precisa sonhar mais na educação, lembrar que a gente é um ser de sonho também. E quando a gente fala a palavra “sonho” os meninos se soltam e eles se jogam mesmo. Eles querem uma piscina na escola, eles querem um dia de doces, querem poder sair com os amigos numa “aula passeio”, querem terminar a escola e fazer vestibular para medicina, querem que os professores não faltem a aula, querem não ter dia sem aula na escola, querem poder chegar lá e ter um espaço legal.
É uma etapa linda que (re) desperta neles a esperança de fazer algo diferente. É uma etapa muito participativa porque ao invés de trazer um pacote pronto, abre possibilidade para que digam o que querem. E aí não são só os alunos, os pais sonham, os funcionários, a comunidade, os gestores sonham.
Avante – Todos juntos, numa mesma sala, num mesmo momento?
Carol Duarte – Isso é a Comissão Mista [formada por professores, funcionários, alunos/as, familiares e líderes comunitários], que já está começando a se formar nessa etapa do projeto, que vai decidir a melhor estratégia. Se é uma escola grandona, às vezes eles optam por fazer por segmento. Se é uma escola pequenininha, eles fazem um momento todo mundo junto. Se é uma escola que tem Educação Infantil e Ensino Fundamental, às vezes eles fazem um momento com pais e os pequenininhos. Esse processo não é pronto, é muito construído.
Avante – Então o espaço de fala dos pequenos é garantido na fase do sonho. A partir de que idade estamos falando?
Carol Duarte – Estamos começando agora, em Horizonte (CE), com um processo de transformação dos Centros de Educação Infantil. São crianças de 2, 3, 4 e 5 anos. Ano passado o processo de transformação se deu com os meninos maiores, na faixa dos 5 anos. E eles são ouvidos, sim. É interessante porque a gente pergunta e eles dizem o que querem a partir da perspectiva do sonho deles.
Avante – E o que vocês já ouviram desses meninos/as?
Carol Duarte – Ter o dia de doce na escola, ter piscina na escola, ter toboágua, ter um lugar para tomar banho. Teve uma escola que foi reformada recentemente no Ceará e as crianças queriam muito passar o dia lá. Não queriam ir para a escola e depois ir pra casa, queriam tempo integral, passar parte do tempo na escola brincando. Como consequência, o outro sonho que queriam era um espaço para tomar banho, queriam um chuveiro, pois faz muito calor no interior do Ceará. E a escola realizou esse sonho.
Avante – Sonhar é bom, importante, mas não é suficiente para uma transformação. Como partir para a ação? Além disso, são muitos sonhos, qual deles será realizado primeiro?
Carol Duarte – Bem, a definição de prioridades deve acontecer a partir do impacto na melhora da aprendizagem e da convivência, esse é o acordo. A Comissão Mista, então, a partir desses dois focos, vai selecionar, entre todos os sonhos, quais são os de curto, médio e longo prazo. E lembre-se que essa não é uma escolha do gestor apenas. Ele não faz a seleção de prioridades sozinho. É ele com o professor, com o funcionário, com o aluno/a, com a mãe/pai/avô/avó/responsável, com o líder comunitário, todo mundo discutindo. Às vezes, o que não é prioridade para curto prazo para o gestor, para o aluno é. Isso que é mais bacana, ouvir todos, fazer a seleção de prioridades e planejar.
Quando você fala da realidade do interior do Ceará, por exemplo, um chuveirão é básico. Isso vai impactar na qualidade de vida, de convivência e aprendizado dos meninos. Eles estão com calor, como vai ficar o dia inteiro na escola se não pode tomar um banho naquele calorão de 45 graus?
Sempre que vou lá visitar vejo as roupinhas penduradas, aquele espaço de banho fantástico, que tem uma árvore enorme perto e tudo gramado ao redor. Então eles fazem uma farra, tomam banham, brincam de mangueira.
Durante a reforma da escola, a diretora incluiu tudo que pode de mudança de infraestrutura pra atender os sonhos dos meninos, como o parquinho e um local de mensagens (quadros instalados no pátio para os meninos e meninas deixarem recados escritos uns para os outros).
Avante – Existem outros sonhos que já foram realizados?
Carol Duarte – Apareceu, por exemplo, o sonho de ter uma banda marcial na escola. No 7 de Setembro eles se apresentaram com a sua banda. Surgiu o sonho de ter mais atividades lúdicas e físicas na escola, então tem escolas que passou a ter aulas de ballet, grupo de dança. Sem contar as atuações focadas nas aprendizagens, tem escola que tem Grupos Interativos e as Tertúlia Literárias acontecendo regularmente. Ou reforços, que não é uma atuação educativa de êxito do projeto, mas que já acontecia na escola e foram potencializadas.
Quadro instalado no pátio de escola cearense, onde meninos e meninas deixam recados escritos uns para os outros.