A notícia que começou a correr no povoado de Monte Gordo, em Camaçari, era de que agora não tinha mais jeito: o dono do terreno que abriga o campinho de areia construído pela comunidade, ali colado ao Centro Integrado de Educação Infantil Emaús, ia mesmo transformar o local em estacionamento. A transmutação da área, usada pelas crianças da escola como local privilegiado para brincar, era motivo de comoção. Uma professora chorou ao saber da decisão. Outra disse que não conseguiria contá-la à meninada. Mas quando as crianças enfim souberam que perderiam seu campinho, colocaram um plano em ação.
Por unanimidade, decidiram conversar com o dono do terreno. Elegeram alguns representantes para cuidar diretamente do assunto e combinaram o que dizer para dissuadi-lo da ideia. As professoras, que não tinham pensado em nada disso, aprovaram a solução, que acabou por se mostrar exitosa. Comovido pela determinação das crianças, o proprietário desistiu de construir seu estacionamento.
A história é um dos inúmeros exemplos de como as crianças do Centro Emaús participam da vida da escola e de como são ouvidas pelas educadoras da instituição e pela comunidade. “Aqui todas as decisões são feitas junto com elas”, afirma a coordenadora pedagógica Carla Jamile. “Todos os processos estão baseados na escuta da criança”, diz.
A gestora da escola, Elisângela Oliveira, completa: “Estamos aprendendo com as crianças, em um processo de construção que faz a escola ter uma identidade própria”. Segundo ela, o percurso de valorização da participação e da autonomia das crianças ganhou corpo nos últimos anos, impulsionado pelas formações e concepções do projeto Paralapracá.
Prova disso é a maneira como a instituição passou a organizar a rotina das turmas. Desde o ano passado, a curiosidade das crianças é que guia suas pesquisas e descobertas. Isso porque, depois de participar da formação do eixo do Paralapracá Assim se Explora o Mundo, dedicado a valorizar a capacidade investigativa das crianças, a equipe do Centro Emaús passou a trabalhar com projetos específicos para cada sala.
“Durante a formação, estudamos que existem projetos que podem surgir com a criança e projetos realizados para a criança”, relata Elisângela, contando que a ideia de desenvolver projetos com as crianças – isto é, concebidos junto com elas – foi abraçada pelas professoras da instituição. “A partir do processo de escuta, as professoras foram percebendo qual seria o projeto de cada turma”, explica Carla. Além de muita observação das professoras e de exploração das possibilidades do projeto, a decisão final foi tomada a partir de uma eleição entre as crianças de cada sala.
Da curiosidade dos pequenos, surgiram projetos baseados nos mais diferentes temas: abelhas, galinhas, caranguejo, mamão, passarinhos, plantas de jardim, grilos e chuva. Os temas escolhidos foram tratados nas rodas de conversa e pesquisados em casa e na escola. “Eles perguntam aos pais, fazem relatos para os colegas. Os professores fazem registros e vão trabalhando todas as habilidades a partir do interesse das crianças”, conta Carla.
Ao final do projeto, cada turma convidou as famílias e as demais crianças da escola para verem de perto suas descobertas. Não houve alarde ou apresentações ensaiadas, e sim oficinas elaboradas pelas próprias turmas para a troca das novidades, em um processo guiado pelo respeito à participação das crianças e pela valorização de sua curiosidade.
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Fonte: Site Paralapracá.