Para especialistas em Educação, o caminho para se trilhar e chegar a uma Educação antirracista e inclusiva é investir em formação contínua e de qualidade para fortalecer professores e todos os profissionais que atendem às crianças. Por meio da valorização das identidades, da representatividade como método, das vivências culturais e de um currículo que considere a criança como sujeito de direitos, múltiplo, diverso, plural. Só assim construiremos uma Educação com equidade, tijolo a tijolo, com muitas mãos e mentes empenhadas em emergir o racismo estrutural aprofundado no Brasil, para desconstruí-lo, e à discriminação religiosa, de gênero ou geográfica. Essas e outras conclusões foram temáticas da Aprendizagem Organizacional (AO) realizada pela Avante – Educação e Mobilização Social, no dia 15 de julho.
O evento faz parte da cultura organizacional e é voltado a consultores associados, colaboradores e equipes de ponta dos projetos, para promoção de reflexões que colaborem para a um alinhamento de valores que garantam a prevalência dos princípios da Avante em suas práticas. O encontro de julho: “Educação e Equidade Racial”, promoveu um diálogo que fomentou a compreensão de processos históricos e suas injustiças sociais e foi ministrado pela Profª. Dra. em Educação, e conselheira consultiva da Avante, Mille Fernandes, e a Profª. Fátima Santana, Mestra em Ensino das Relações Étnico-Raciais.
Eu suas falas as palestrantes expuseram argumentos que demonstram os desafios diários para a garantia de uma Educação antirracista, transformando iniciativas em batalhas para transformar realidades nas mentalidades dos profissionais da Educação e nas estruturas das instituições de ensino. Os principais desafios são o preconceito e a resistência às discussões étinico-raciais e de gênero. Como destacado pelas professoras, o racismo se combate com reconhecimento, conhecimento, informações acessíveis a todas e todos, participação e acolhimento das crianças e de seus responsáveis na escola.
Autoafirmação afrocentrada
“Reconhecer a necessidade de encontrar meios para fortalecer marcas identitárias. Esse é o desafio estruturante de uma Educação Infantil Antirracista. Repensar as experiências de racismo significa reparação para a violenta e agressiva experiência de escravização de diferentes etnias e povos africanos no Brasil”, explicitou a Profª. Fátima Santana em sua apresentação na AO. A professora destacou, entre diferentes possibilidades de aproximação, a importância de uma escuta da infância negra, “sensível aos desejos, sonhos, quereres e interesses das crianças, sem que as experiências sejam apenas adultizadas”, segundo ela.
“As crianças negras produzem sentido para o racismo que sofrem”, e, como indicou a Profª. Fátima, “a escuta atenta, cuidadosa deve considerá-las como proponentes de currículos. Ela destacou que é preciso ouvir todas as vozes e se guiar por princípios de equidade para produzir experiências pedagógicas inclusivas, autoafirmativas, afrocentradas, afro-brasileiras, considerando os saberes e vivências locais de cada sujeito.
Para a Profª Mille Fernandes, na base de todo esse conhecimento necessário para combater o racismo na Educação, ou em qualquer instância da sociedade, está a inescapável formação cultural das identidades e a escola como espaço sociocultural; está o processo histórico no país de invisibilização e apagamento das identidades dos povos originários e dos povos negros.
Caminhos a serem percorridos para valorização de uma identidade etnico-cultural, de acordo com a professora Mille, passam pela pesquisa sobre a relação entre a cultura, a escola e a diversidade étnica e cultural; pela atenção às práticas pedagógicas; pelo posicionamento da escola ante a superação do racismo e da discriminação racial e de gênero; pela inclusão das demandas históricas que o movimento negro tem colocado para o campo educacional; pela reflexão sobre as culturas dos povos originários; pela revisão historiográfica e readequação de livros, materiais didáticos com a inclusão de questões raciais nos currículos escolares. “A revisão historiográfica é contar a história que a história não conta. A gente tem uma história contada pelo ocidente que vai supervalorizar os povos europeus e minimizar as produções, a ancestralidade dos povos de origem africana”, apontou a Profª Mille Fernandes.
Dentre as falas das professoras convidadas, a revisão historiográfica é um dos pontos de urgência para a ação, destacado por Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante. “É a gente aprofundar a ideia de que nos materiais que chegam à escola hoje há uma invisibilização e um apagamento de identidades. Podemos fazer isso nos nossos âmbitos de formação, questionar o que aparece nos materiais didáticos, que a gente repete nas celebrações das escolas e nas práticas. Isso chama muito a atenção, assim como a perda que a gente tem da riqueza dessas matrizes todas, que nos formaram e que são maioria na população”, afirmou.
A experiência da felicidade, como destacou Maria Thereza, mencionada nas apresentações das professoras Fátima e Mille, também é um ponto para atenção e ação, pois considera que “a visão do mundo colonizador sobre o continente africano é sempre de menos, é a fome, a miséria, a guerra, em vez de ver o continente como potente, produtor de ciência, cultura e conhecimento”, disse.
Legislação Antirracista
A Lei 10.639/2003 torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio. De acordo com a lei nº 11.645/2008, Art.1º: “O conteúdo programático incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil”.
É fundamental que se apliquem as leis. É necessário promover medidas de Educação antirracista e de difusão dos valores e história africana, afro-brasileira e indígena, no âmbito público e privado, principalmente no âmbito escolar, seguindo leis como nº 7.716/1989, nº 10.639/2003, nº 11.645/2008, dentre outros decretos, tratados internacionais e outras leis alteradas pelo Estatuto da Igualdade Racial. A lei nº 12.288/2010 institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
A Lei Nº 7.716/1989, em seu Art. 1º define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Racismo é crime!