Foi com indignação que a Avante – Educação e Mobilização Social recebeu a notícia da publicação do Decreto 10.003/2019 na última quinta-feira, cinco de setembro, que dispõe sobre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança do Adolescente (CONANDA), promovendo a eliminação da participação de todos os membros da sociedade civil que integravam o Conselho e reduzindo o poder decisório do órgão referente a deliberação sobre políticas públicas para crianças e adolescentes, inclusive com resoluções que regulamentam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Enxergamos a ação do Governo Federal, de desmonte de mais essa conquista histórica da sociedade brasileira, como um retrocesso na garantia de direitos de todos os cidadãos e um ataque à nossa democracia, conquistada à duras penas.
O CONANDA é um órgão colegiado criado no período de abertura política do País, início da década de 90, logo após a promulgação da Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, por ter sido construída com participação da sociedade civil, inclusive com escuta de crianças e adolescentes. A Avante foi eleita suplente do CONANDA no ano de 2017, e hoje faz coro com inúmeras instituições brasileiras que vêm lutando ao longo dos anos pela garantia de Direitos Humanos ao ser signatária do mandado de segurança coletivo impetrado pelo Instituto Alana com pedido de liminar para proteção dos direitos do público alvo do Conselho – “contra atos da Excelentíssima Senhora Ministra Damares Alves, representante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”,agora oficializado por meio do Decreto 10.003.
O referido Ministério vinha promovendo uma inviabilização do funcionamento das políticas públicas nacionais de proteção e promoção dos direitos da infância e adolescência, ao impedir a adequada realização de assembleias do Conselho em razão do não custeio da participação de seus conselheiros e conselheiras eleitos, da ausência de equipe técnica e do não comparecimento de conselheiros governamentais. O Mandado de Segurança explicita que a medida “representa violação à regra constitucional do artigo 227, que estabelece a prioridade absoluta da criança e do adolescente, e descumprimento a previsões da Lei nº 13.609 de 1990, Lei nº 8.242 de 1991, do Decreto nº 9.579 de 2018 e da Resolução nº 217 de 2018 do Conanda, que aprova o seu Regimento Interno”.
De acordo com o Decreto, as assembleias do CONANDA passarão a ser trimestrais e realizadas por vídeo conferência, exceto para os conselheiros que estão no Distrito Federal, maioria de representantes governamentais, além de não fazer referência às responsabilidades do Governo Federal no custeio e na manutenção do Conselho. A deliberação da Presidência da República vai ainda mais longe ao determinar a diminuição do número total de conselheiros de 28 para 18 membros, mantendo a paridade de metade dos conselheiros governamentais e a outra metade, não-governamentais. Sendo que estes últimos, antes eleitos em assembleia organizada pelas entidades da própria sociedade civil, passam, de acordo dom o Decreto, a ter as regras de eleição sob responsabilidade do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Ao cercear a autonomia do CONANDA, o Decreto compromete, ainda, a prerrogativa da sociedade civil, por meio do Conselho, de fiscalizar qualquer investimento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos na área da infância, visto ser esta uma atribuição do órgão. As determinações do Decreto mantêm o CONANDA como entidade responsável pela verificação e direcionamento do aplique orçamentário em programas como o Disque 100 – serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual -, e no Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), além de gerir o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente (FNCA). No entanto, o poder decisório da representação da sociedade civil no órgão de direito fica restrito com a possibilidade de definição das regras de eleição desses representantes pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e pela determinação, no Decreto, de que a função de Presidente do Conselho será de definição exclusiva do Presidente da República e sua substituição será feita por representante do referido Ministério, e não mais pelo Vice-presidente, assim o próprio Governo Federal passa a ter ampla influência na definição de para onde vão os investimentos no FNCA, enfraquecendo o controle social por parte da sociedade civil.
A Avante entende que todas essas medidas configuram-se, claramente, como mais um passo para a extinção da participação da sociedade civil no governo e um ataque direto à garantia de medidas protetivas das crianças e adolescentes, colocando esse público à margem das políticas públicas nacionais.